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Entrevista à socióloga e ativista Cristina Roldão

Submitted by on 17/11/2020 – 20:27No Comment
Entrevista à socióloga e ativista Cristina Roldão

Cristina Roldão, 40 anos, é professora na Escola Superior de Educação de Setúbal. Doutorada em Sociologia pelo ISCTE, é investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) e dedica-se ao estudo das questões relacionadas com os afrodescendentes e as desigualdades na Educação, a juventude e os bairros de realojamento. Fomos ouvi-la a propósito do debate sobre o racismo em Portugal.

Portugal é um país racista?
Como é que se pode dizer que Portugal não é racista quando tudo na História nos mostra uma dificuldade enorme de lidar com o outro que é negro?

Podemos dizer isso de todo um País? Não estamos a generalizar, sendo justamente a generalização uma arma do racismo?
Estamos a falar de políticas de Estado, de padrões dominantes e de relações económicas.

Quando se diz que Portugal é racista, não se está a dizer que cada um dos portugueses o é, mas que há uma matriz dominante que faz com que isso aconteça. Vou dar um exemplo: como é que nos manuais de História não há uma única referência à população cigana que está há 500 anos em Portugal? Os portugueses têm muitas costelas ciganas e até o fado tem origem cigana, mas isto nunca é contado. E estes silêncios não são acasos; são decisões políticas de como narrar a nação.

Mas há dados estatísticos que o comprovem?
Sim, há dados como os estudos do European Social Survey. Os portugueses estão entre os povos europeus que mais acreditam que existem raças naturalmente superiores a outras, ou que existem grupos culturalmente superiores – isto na ordem dos 50, 60 por cento. Vemos como a extrema-direta está a avançar, e as pessoas não se tornaram racistas agora porque houve manifestações antirracistas, como diz Rui Rio.

Quais são as causas deste racismo? Ignorância? Ódio?
É um passado colonial que está na nossa memória e que perdura, porque não temos medidas ativas para o desconstruir. Há um imaginário de que determinados grupos são subalternos. Não se trata de ignorância, porque somos mais racistas exatamente com os grupos com quem temos proximidade histórica, como os brasileiros, as pessoas de origem africana ou a população cigana. Porque não há racismo com os finlandeses, com quem temos muito menos História comum? Porque não é uma questão de não conhecer o outro, tem que ver com hierarquias raciais que se estabeleceram historicamente e que durante séculos foram legitimadas por grandes instituições da Ciência, da Igreja e da Política.

O racismo não é maior entre pessoas com baixa escolaridade?
Talvez essas pessoas tenham menos ferramentas de sofisticação para ocultar o seu racismo, enquanto outros dominam mais a linguagem e a autocensura. Mas há momentos em que a coisa vem ao de cima, escapa.

O que pensa quando vê líderes políticos como Rui Rio ou Jerónimo de Sousa a negar ou a minimizar a existência de racismo em Portugal?
É a tese do negacionismo com maçãs podres. Existe o negacionismo total, que é a versão do Chega: Portugal não tem racismo. E há a tese de que, genericamente, não há racismo, não há nada para resolver, mas existe um caso ou outro. O PSD, que até tem uma matriz católica, faz uma guinada à direita para não perder votos para o CDS e para o Chega. Já a Iniciativa Liberal tem outra posição, que é: capitalist lives matter, ou seja, diz que há discriminação com os empresários. [risos]

E o PCP?
É muito dececionante. Os comunistas acham que esta agenda é do tipo identitária e típica do Bloco de Esquerda e do Livre, e sempre fizeram esta distinção de que a classe é o elemento fundamental – que isto são divisões da classe operária e que a classe operária tem de estar unida. O PCP tem uma base de apoio conservadora e também não fez um trabalho de consciencialização do seu eleitorado. Há muito racismo na cintura industrial. Se o PCP não o vê, pode ao menos olhar para os estudos que mostram desigualdades enormes na Educação, no Emprego, na Justiça e na Habitação.

Faz sentido criar um partido de afrodescendentes?
Não sei responder a isso. A designação de “política identitária” serve, neste momento, para retirar valor. É óbvio que o racismo em Portugal não é só uma questão cultural, de identidade. Quando dizemos que os bairros de realojamento da periferia de Lisboa sofrem violência policial, não é uma questão identitária, é uma questão de justiça. Quando dizemos que a maior parte das pessoas negras trabalha no setor das limpezas e da construção civil, não é uma questão de identidade, mas de justiça redistributiva. O sufixo identitário tem sido usado para desviar o nosso olhar. Foi o que aconteceu com a manifestação de 6 de junho. Era uma manifestação sobre violência policial e racismo, mas o debate transformou-se numa questão culturalista do Padre António Vieira e da identidade nacional. É um grande debate que temos de fazer, mas ele não pode estar dissociado das nossas vidas.

Porque é que as pessoas aderem ao tipo de discurso do Chega?
O Chega, de alguma forma, segue uma política e uma estratégia muito parecidas como o que temos com Donald Trump ou Bolsonaro: a sua base são os destituídos da globalização, aqueles que chegaram a ter uma vida melhor e a perderam; não são os que nunca a tiveram, como os negros ou os ciganos. Falamos de população retornada, do pequeno comerciante que foi engolido pelas grandes corporações económicas, e de segmentos de funcionários públicos que viram a sua profissão desvalorizada a partir de 2008. Sentem-se impotentes face à complexidade da política atual e querem “voltar à ordem”. Mas é uma ficção. O Chega quer acabar com o Estado-providência, que permitiu que os filhos dessa gente chegassem ao Ensino Superior, por exemplo.

Como foi a sua experiência na escola quando chegou a altura de aprender sobre os Descobrimentos?
Na altura, claro que me apercebia quando se começava a falar das questões da escravatura en passant; era ouro, borracha, café e escravos… E a maneira como se representava África deixava-me desconfortável, porque o pressuposto era que aquela aula estava a ser dada para portugueses brancos, aquilo era a história deles, não era a minha; eu estava do outro lado. Julgo que isso é algo que muitos jovens negros sentem e espero que cada vez mais jovens brancos também, ao perceberem que não podem continuar a glorificar o passado colonial. Não se trata de deixar de se falar; trata-se de falar sobre o que realmente aconteceu e as consequências na atualidade. Muitos professores de História dizem que precisamos de conhecer o passado para compreender o presente – é isso mesmo. Se olharmos para as desigualdades do mundo atual, para uma globalização que é muito mais de mercado do que de circulação livre de pessoas, as crises dos refugiados, as migrações das pessoas dos países do Sul para o Norte, tudo isso são as ramificações diretas da história colonial. E isto nunca é explicado desta forma articulada. Os livros de História falam do Apartheid na África do Sul como exemplo de um racismo brutal, e está certo; falam do nazismo e do Holocausto, certo; falam do movimento dos diretos civis, certíssimo; mas o colonialismo português não é associado ao racismo. E esses recortes dizem muito sobre o que está por contar na História de Portugal.

Falta descolonizar as mentes?
O 25 de Abril tinha isso como um dos objetivos, mas ficou por fazer. Toda a História atlântica com África e com o Brasil, com o tráfico de escravos, desaparece, tudo se apaga. Mas, em termos históricos, o colonialismo foi hoje de manhã. No estatuto do indigenato, em vigor até aos anos 60, definem-se três grandes grupos: os civilizados (a população branca); a população indígena (a maior parte da população negra); e depois os assimilados (famílias mestiças ou da pequena e alta burguesia negras, para quem era preciso criar uma distinção, mas nunca igualdade). Este estatuto ajuda-nos a perceber como o racismo à portuguesa funciona: a ideia de que, se te portares bem, se não fizeres críticas e aderires por completo à cultura dominante, nós deixamos-te estar aqui ao lado, não acima. Está tudo bem, se abandonares toda a tua cultura. Quem não cabe dentro da categoria de assimilado é considerado um vândalo, um arrogante, um ingrato, um incivilizado. Esta matriz continua muito presente.

O que responde quando lhe dizem que o colonialismo português foi mais suave?
É preciso não esquecer que dos 12 milhões de pessoas que estão contabilizadas como tendo sido escravizadas e traficadas no espaço atlântico, mais de 40% foram-no pelos portugueses. Isto não é para culpabilizar; é para reconhecer a História de forma a podermos andar para a frente. Portugal foi dos países que mais tardaram a sair das colónias. E foi dos que tiveram a guerra colonial mais longa: bateu-se durante 13 anos, bateu-se até à última por manter o domínio colonial sobre outros!

Está muito presente a ideia de que, se te portares bem, se não fizeres críticas e abandonares a tua cultura para aderir à cultura dominante, nós deixamos-te estar aqui ao lado, não acima 

Também se argumenta que os portugueses eram dados a misturas…
Em territórios com poucos colonatos brancos, em que as famílias brancas ficavam na metrópole, quem ia para lá eram os funcionários da administração colonial, do exército, pequenos comerciantes… Essas pessoas misturavam-se com as populações locais. Mas é preciso dizer que essa mistura não era feita em pé de igualdade; parte dela fez-se à custa da violação e exploração sexual de mulheres negras. Sei que, ao dizer isto, muitas pessoas desligam o seu botão da atenção. É não desligar o botão… É reconhecer e andar para a frente. Porque é que Portugal vai ter orgulho do seu passado colonial e não do projeto futuro de uma sociedade que tem uma política ativa de reparação do seu passado colonial?

Levar o debate para as estátuas pode prejudicar a luta antirracista?
O debate da memória é importantíssimo. Temos estátuas e nomes de ruas a glorificar pessoas que tiveram um profundo envolvimento no tráfico de escravos e na colonização (Paiva Couceiro, Mouzinho de Albuquerque e por aí adiante…) e temos tentativas de criar um museu dos Descobrimentos em Lisboa. Agora, acho que temos todos a responsabilidade de não desarticular estas questões. A toponímia, as estátuas e os museus não podem ser discutidos de forma desgarrada da vida das pessoas. Porque é que é importante desconstruir esta narrativa nacional? Porque ela nos ajuda a perceber porque é que algumas pessoas que nascem em Portugal não são consideradas portuguesas pela lei. Ou ajuda-nos a perceber porque temos zonas de exceção, onde os direitos humanos estão suspensos e as pessoas não são consideradas cidadãs de pleno direito, como em certos bairros de realojamento, chamados zonas urbanas sensíveis, onde a polícia pode ter uma intervenção distinta do que faz no resto do território. Pode cercá-los, proibir as pessoas de entrar e sair, revistar todas as pessoas que passem e não só as suspeitas… Há quase um salto para uma certa militarização, como se fosse um território de guerra.

Porque não gosta da palavra integração?
É muito parecida com assimilação.
Ou seja, há um molde, um padrão dominante, e quem não se adapta é um incivilizado. Outra coisa é a inclusão, o que implica uma mudança da própria sociedade para incluir as referências dos outros como suas.

Não teme que o politicamente correto possa alienar algumaspessoas?
Não podemos deixar que o debate mais culturalista tome a dianteira ao ponto de ficar desfasado. No entanto, as palavras são uma expressão do que pensamos e daquilo que se pretende, ao nível individual, mas também de projeto político. No nosso currículo escolar, não se fala sobre antirracismo, mas sobre interculturalidade – e é tão parecido com lusotropicalismo, porque é esta ideia de que os povos se misturam e não há lutas de poder. A vida real não é assim. Há culturas e povos e grupos que têm mais poder de impor as suas referências do que outros. Porque é que não ouvimos os nomes das pessoas que, em Portugal, sofreram violência policial?

Como ouvimos na América…
Quando o problema era lá longe, tudo bem; quando chegou aqui, ai a Covid, ai os cartazes, ai a estátua. E não se fala do que tínhamos de falar: como é que se pensa uma política de segurança e de território que não esteja assente na violência sistemática sobre determinado tipo de corpos?

O que é o privilégio branco?
É uma noção de que há uma hierarquia entre pessoas de diferentes origens étnico-raciais. Isso foi construído historicamente e, durante muito tempo, tivemos a Ciência a dizer que há povos que são subumanos. E tivemos a Igreja ligada ao tráfico de escravos. Foram estruturas políticas, religiosas e culturais que instituíram a noção de que existem povos superiores a outros. É muito difícil apagar esta ideia, até porque ela opera ao nível do inconsciente. O privilégio branco tem desdobramentos muito objetivos: numa entrevista de emprego, no ato de alugar uma casa ou a pedir crédito num banco

É preciso dizer que a mistura dos portugueses não era feita em pé de igualdade; e parte dela fez-se à custa da violação e da exploração sexual de mulheres negras

Também há brancos pouco ou nada privilegiados, que toda a vida estiveram nas classes mais baixas.
Claro. Mas o privilégio branco não é sinónimo de que se é “rico”. Ele quer dizer que, na dimensão racial, aquela pessoa não teve de lidar com certos problemas. Mas teve de lidar com todos os outros. Imagine uma mulher branca da classe operária: lidou com o machismo, a exploração, mas não teve de lidar com a discriminação racial, como a sua colega negra. Isto não devia provocar tanta celeuma. Há um lado de sobrerreação que tem que ver com a negação do racismo. Então não sabemos que existe machismo em Portugal e que os homens ganham mais e são mais privilegiados do que as mulheres no acesso aos cargos de chefia, por exemplo? As pessoas não percebem como o machismo é insidioso, não precisa de ser declarado? Está tudo bem no jantar de Natal, mas as mulheres estão na cozinha a trabalhar e os homens, na sala a conviver.

Porque seria útil, nos censos, a caracterização da população com base na etnia?
Primeiro, porque isso confrontaria a sociedade portuguesa com a sua diversidade. Teríamos um instrumento do Estado a dizer que nós somos isso, somos brancos, negros, ciganos, de origem asiática… Outra questão seria a possibilidade de termos dados fidedignos sobre a desigualdade no Emprego, na Educação, na Saúde – dados que obrigariam a que se fizessem políticas para reduzir essas desigualdades estruturais

Existe racismo contra os brancos, como alguns brancos se queixam?
Existem formas de discriminação que têm raízes históricas. Isto quer dizer que houve várias instituições ao longo da História que se conjugaram no sentido de legitimar um conjunto de ideias. Pode ter-me escapado, mas não tivemos séculos em que a Igreja Católica, Estados-nação e Ciência se juntaram para dizer que os brancos eram um grupo inferior.

 

Aqui o artigo de Visão

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